Um deserto de estranhas veredas traz ainda ampla fortuna crítica sobre um dos maiores escritores brasileiros contemporâneos
A amizade de 40 anos e a admiração pela carreira literária de Luiz Ruffato levou Eloésio Paulo - jornalista, escritor e doutor em Teoria e História Literária pela Unicamp - a imaginar e organizar um livro-entrevista sobre um dos maiores escritores brasileiros contemporâneos, traduzido e publicado em 15 países [Itália, França, Portugal, Argentina, Colômbia, Alemanha, Finlândia, Estados Unidos, Macedônia do Norte, Moçambique, México, Espanha, Israel, Cuba, Romênia], com obras adaptadas para o teatro e o cinema.
Um deserto de estranhas veredas (Editora Maralto, 176 p. R$ 44,90) acaba de chegar às livrarias brasileiras. A obra traz as impressões e curiosidades do leitor e amigo de Luiz Ruffato, que, por sua vez, percorre a própria trajetória, fala sobre sua formação como leitor, as relações familiares, aborda assuntos espinhosos e observa com atenção os rumos do país.
“A obra ruffatiana é uma das mais relevantes da ficção brasileira contemporânea. Ele leu praticamente tudo que é importante ler, é uma das pessoas mais apaixonadas por literatura que conheço. Imaginei que ele teria muito a dizer sobre o lugar da literatura neste tempo tão inamistoso em relação à inteligência e à sensibilidade do ser humano”, explica Eloésio.
Temas abordados
O volume traz ainda um apanhado da produção de Ruffato no Brasil e no exterior, além de fortuna crítica com trabalhos - especialmente dissertações e teses acadêmicas, mas também artigos de crítica literária publicados em veículos especializados e na imprensa - sobre sua obra.
E conclui com três textos emblemáticos de sua produção: uma crônica e um depoimento sobre sua formação, desde a infância na mineira Cataguases, e um ensaio sobre a presença de imigrantes italianos em Minas Gerais, tema muito presente em seus livros, em função de suas origens familiares.
Segundo Ruffato, o que o interessa, em toda a sua obra, muito mais do que descrever como funcionam as engrenagens da superestrutura – ou seja, as circunstâncias macroeconômicas e macropolíticas –, é observar seus efeitos no cotidiano das pessoas comuns.
“Quando, em 1979, decidi me tornar escritor, eu já tinha muito claro qual seria a temática a ser perseguida: o dia a dia do trabalhador urbano de classe média baixa. E isso porque, quando comecei a me aprofundar na literatura brasileira, percebi que se tratava de um espaço imaginário praticamente intocado, embora represente mais da metade do total da população brasileira”, diz o escritor.
Descobertas admiráveis
Ao longo da produção, Eloésio Paulo - que já escreveu 17 livros e conhece as agruras de concluir uma obra – revela-se surpreso ao descobrir que Ruffato não faz nenhuma anotação e, mesmo assim, produz textos abrangentes e profundos.
“Nunca tomo nota de absolutamente nada. Nem fotografo. Nem elaboro esquemas. Nem componho sinopses. Nunca inicio um livro sem antes conhecer o título e definir a epígrafe, normalmente nascida de um poema. O título norteia o livro, a epígrafe o resume”, conta Ruffato nas páginas de Um deserto de estranhas veredas. Segundo o autor, todos seus livros surgem “de uma necessidade de abordar uma dada inquietação”, complementa.
Outra revelação contida no livro é o ponto de vista de Luiz Ruffato sobre a profissão de escritor. “Fazer literatura não é fácil, exige disciplina, horas sentado solitário em frente a um computador, sem ter com quem dividir as dúvidas... dói o corpo, dói a cabeça pelo esforço de concentração... Ser escritor traz compensações, mas exige contrapartidas”.
Pontos de vista
Ao ser questionado por Eloésio sobre as dezenas de teses e dissertações no Brasil e em outros países a respeito de suas obras, em que estudiosos descobrem coisas que nem mesmo o autor imaginava, Ruffato não se constrange.
“Acho isso ótimo. Nunca entendi aqueles autores que reclamam ou ironizam que estudiosos encontraram coisas em suas obras que não estavam lá. Ora, a literatura é uma obra aberta. Portanto, permite leituras as mais diversas – o autor escreve um texto, os leitores e os especialistas o decifram. O meu grande pavor é que ocorra exatamente o contrário: o dia em que publicar algo que for compreendido por todos os leitores, especialistas ou não, da mesma maneira. Isso seria a prova maior do meu fracasso como escritor, pois teria me tornado superficial, banal, óbvio”, explica.
Além de registro importante da trajetória de Ruffato e de um fragmento da história da literatura brasileira, a reunião dos textos de Um deserto de estranhas veredas divide com os leitores um pouco da intimidade do autor, que, em formatos distintos – entrevista, crônica, depoimento e ensaio –, oferece peças para a composição de um mosaico a ser montado de acordo com o diálogo estabelecido com cada um.
“Gosto de imaginar que no mundo da literatura não há fronteiras – os autores vivem fora do espaço e do tempo e acima das barreiras linguísticas”, observa Ruffato.
E para quem deseja compreender um pouco mais o universo ficcional do escritor, Eloésio complementa. “A entrevista não tem um tom acadêmico, ou seja, não se dirige apenas a estudiosos, mas a todos os leitores que se interessam por compreender melhor a obra de Luiz Ruffato”.
O livro Um deserto de estranhas veredas, de Luiz Ruffato e Eloésio Paulo (Editora Maralto, 176 p., R$ 44,90) pode ser adquirido nas principais livrarias do país e também pelo catálogo da Maralto, disponível em https://loja.editorapositivo.com.br/literatura
Sobre Luiz Ruffato
Luiz Ruffato nasceu em Cataguases (MG), em 1961, filho de uma lavadeira analfabeta e de um pipoqueiro semianalfabeto. Trabalhou como caixeiro de botequim, balconista de armarinho, operário têxtil, torneiro-mecânico, vendedor de livros ambulante, gerente de lanchonete, professor e jornalista, até tornar-se escritor em tempo integral a partir de 2003.
Foi escritor-residente na Universidade de Berkeley (Estados Unidos) e consultor do Instituto Itaú Cultural para a área de literatura. Seus livros receberam vários prêmios (APCA, Jabuti, Machado de Assis, Casa de las Americas) e estão publicados em quinze países.
Pelo conjunto da obra ganhou o Prêmio Internacional Escritor Galego Universal, concedido pela Associación de Escritoras e Escritores en Língua Galega (Galiza, Espanha), em 2015, e o Prêmio Internacional Hermann Hesse, outorgado pelo Calwer Hermann-Hesse-Stiftung (Alemanha), em 2016.
Sobre Eloésio Paulo
Eloésio Paulo nasceu em Areado (MG), em 1965. É jornalista, doutor em Teoria e História Literária pela Unicamp e, desde 2006, professor da Universidade Federal de Alfenas.
Já escreveu 17 livros, publicou as coletâneas de poemas Primeiras palavras do mamute degelado (2000), Jornal para eremitas (2012) e O amor é um assunto imbecil (2020), além de quatro livros de crítica literária e três para o público infantil. Em 2022 também publicou Por que não vou a Sodoma.
É colaborador do jornal Rascunho e do Suplemento Literário de Minas Gerais, escreveu resenhas para O Globo, Jornal da Tarde e O Estado de S. Paulo, além de ter trabalhado em vários jornais como repórter e redator.
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