Vez por outra, o Brasil profundo se pronuncia. Recentemente, foi o caso da bióloga (sic) Natascha, que postou nas redes sociais suas dicas de como passear no shopping sem máscara, fingindo ser autista. Ensinou inclusive como fazer “cara" de autista para enganar o segurança da loja que pedia para que ela usasse a máscara, como determina a legislação, pois ainda não há elementos científicos robustos que permitam relaxar de vez o uso da proteção contra o vírus. Nada disso, porém, importa para a bióloga (sic) e sua saga por parecer esperta e “fingir de doida em terra de doido”. Doida, para ela, é ser autista; terra de doido são as medidas de proteção contra a proliferação de uma epidemia que já matou quase 650 mil pessoas no Brasil, segundo as fontes oficiais. Natascha é a cara do brasileiro que odeia brasileiros e que vem destruindo as esperanças desse país há séculos. É o político corrupto, o médico que assina ponto no posto de saúde e não trabalha, o funcionário que finge estar doente, forja atestado para se afastar do trabalho, o juiz que vende sentença, o policial que tortura e mata, o dono do posto que combina preço, o pastor que troca apoio por barras de ouro. Tanta gente que Natascha homenageia com seu passeio no shopping, sua desfaçatez, sua certeza de que está certa e que o resto do país é que é burro, tapado, “sem noção”, pois, como ela declara cheia de uma razão muito própria dela, “é melhor ser autista do que ser cachorro”. A bióloga (sic) fez alusão à focinheira que os cães agressivos usam quando seus donos passeiam com eles em lugares públicos para evitar algum acidente que resulte em dano físico em alguma pessoa. Natascha acha isso um absurdo. Por isso ela sai, livre e solta, causando e aparecendo, sem “focinheira”, toda pimpona, pelos corredores do shopping. E quando a interpelam, faz cara de “doida” e depois grava o deboche nas redes sociais.
Natascha é filha de um brasil com b minúsculo, solo fértil para essas sementes virarem desde astros de rede social até moradores dos palácios do poder, vicejando no deboche, na caricatura, no preconceito - que é sempre “brincadeira”- e na falta de empatia. Depois vem o famoso “desculpe quem se ofendeu, eu não quis dizer isso”. Na verdade, quis dizer o que quis dizer, sem reflexão ou consideração, esquecendo que a liberdade de falar tem o mesmo tamanho da responsabilidade com o que se fala.
Natascha falou. E ganhou muitos seguidores que a apoiam em sua espontaneidade e nas verdades (sic) que disse. Muitos políticos, médicos, juízes, comerciantes, funcionários, policiais et alii, são como a bióloga. Assim, desse jeitinho.
*Daniel Medeiros é doutor em Educação Histórica e professor de Humanidades no Curso Positivo.
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