Opinião: Novo marco da minigeração e microgeração distribuída de energia

Fabrízio Nicolai Mancini*


Em 2012, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), por meio da Resolução Normativa 482 (RN 482), instituiu condições gerais para acesso da microgeração e minigeração ao sistema de distribuição, além de implementar o Sistema de Compensação de Energia Elétrica, um “sistema no qual a energia ativa injetada por unidade consumidora com microgeração ou minigeração distribuída é cedida, por meio de empréstimo gratuito, à distribuidora local e posteriormente compensada com o consumo de energia elétrica ativa”.

A RN 482 apresentou uma inovação à época e permitiu o crescimento da geração distribuída no Brasil. Atualmente o Brasil tem 177,3 GW de potência instalada em sua matriz elétrica, contando com mais 5,8 GW de potência em geração distribuída (equivalente a 3,3 % da potência instalada da matriz elétrica).

O marco iniciado pela RN 482 evolui, mantendo-se a normativa, construção típica de uma agência reguladora, a Aneel, foi alterada pelas Resoluções Normativas 517/2012, 687/2015, 786/2017, fixando em 2015 a revisão da RN482 até 31 de dezembro de 2019. O aperfeiçoamento da RN482, previsto na agenda regulatória 2018-2019 da Aneel, foi instaurado no Processo Administrativo 48500.004924/2010-51, o qual foi objeto da Consulta Pública 20/2018, Audiência Pública 01/2018 e da segunda fase da Consulta Pública sob o número 25/2019.

Estas audiências geraram muitos debates em vista da proposta de cobrança da Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição Fio A e B (TUSD) nas diversas alternativas propostas, salientando que a própria RN482 já traz alguns mecanismos de remuneração inicial relativo ao custo de disponibilidade para consumidores do grupo B e da demanda contratada para consumidores do grupo A.

Em virtude de uma movimentação do setor de geração distribuída, mais claramente do setor solar, preocupado com a cobrança de taxas que inviabilizem o setor, em 05/11/2019 o deputado Silas Câmara (PRB/AM) apresenta o Projeto de Lei 5829/2019, que recebeu recentemente substitutivo do deputado Lafayette de Andrada (PRB/MG), apresentado na sessão de 24 de maio de 2021, com previsão de debate no próximo dia 2 de junho de 2021.

O projeto de lei presta-se a instituir o Sistema de Compensação de Energia Elétrica (já instituído pela Aneel na RN 482), acatando a proposta apresentada na alternativa 1 da agência nacional na Análise de Impacto Regulatório (AIR) apresentada em 2018, entretanto, implementa uma graduação da cobrança utilizando a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) para custear a TUSD Fio B por 25 anos das unidades consumidoras já participantes do sistema de compensação, e pelas novas instalações com solicitação de acesso até 12 meses após da data de publicação da lei. Instituindo ainda graduação para os próximos 10 anos na cobrança do TUSD Fio B por meio da CDE para novas unidades consumidoras.

Quem paga a CDE? Essa é uma questão importante que precisa ser respondida para se avaliar adequadamente esta política pública proposta. Atualmente, a CDE é majoritariamente custeada pela Quota Uso, que é o valor repassado por todos os agentes que atendem consumidores finais, cativos e livres, por meio de encargos incluídos nas Tarifas de Uso dos Sistemas de Transmissão (TUST) ou Tarifas de Uso dos Sistemas de Distribuição (TUSD).

Conforme a Resolução Homologatória n° 2.864, de 27 de abril de 2021 Aneel, o orçamento da CDE para o ano de 2021 é de R$ 23.916.722.741,34, dos quais R$ 19.581.206.178,97 decorrem da quota anual da CDE USO, a qual, por exemplo, representa uma obrigação a título de quota anual à Copel DIS de R$ 1.534.490.793,43, valor que será distribuído aos 4,8 milhões de consumidores da Copel DIS durante o ano e que hoje representa ao consumidor dessa concessionária 13,2% do custo da tarifa de energia.

Como o Projeto de Lei n° 5829/2019 não institui limites de potência, nem apresenta uma AIR, especialmente em vista da incerteza do cenário atual, tal projeto, apesar de aparentar um estímulo ao setor, poderá converter-se em um Robin Hood às avessas, subsidiando os que têm possibilidade de instalar a geração distribuída e onerando quem não tem possibilidade de se tornar um “produtor-consumidor”, pensando especialmente em um horizonte de subsídios da ordem de 25 anos.

Importante fixar um ponto de equilíbrio nessa equação, pois o estímulo ao uso de renováveis em um país com uma matriz de energia elétrica invejável (84,8% em 2020 – dados do Balanço Energético Nacional 2021) é desejável, entretanto, não se deve comprometer a sustentabilidade econômica e a modicidade tarifária onerando ainda mais o consumidor cativo, que já arca com muitos encargos setoriais (Conta de Desenvolvimento Energético – CDE, Conta de Consumo de Combustíveis – CCC, Reserva Global de Reversão – RGR, Conta-ACR, Conta Bandeiras – Prêmio de Risco e Conta COVID), pois as concessionárias e permissionárias têm a garantia legal do recebimento.

Um ponto excelente no projeto é a necessidade de projetos sociais -inclusive com previsão de geração remota, o que poderá ser muito positivo - , entretanto, na contramão de outras áreas como a de Petróleo, o projeto não se preocupa com o estímulo do desenvolvimento nacional dessas tecnologias (especialmente a solar), a qual permeia muitas universidades com tecnologias muito mais renováveis do que as do exterior, seja pela produção dos componentes já envolver energia renovável em seu ciclo de vida, seja por incluir tecnologias orgânicas (contribuindo para a reciclagem ou destinação final destes equipamentos).

*Fabrízio Nicolai Mancini, doutorando em Tecnologia e Sociedade, mestre em Desenvolvimento de Tecnologia, é professor dos cursos de Engenharia Elétrica e Engenharia de Energia da Universidade Positivo. 

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