Opinião: O trabalho como dever moral e amor ao próximo

 José Pio Martins*



Encontrei um amigo do tempo de faculdade, há muitos anos não o via, e ele me disse que se aposentou aos 53 anos como funcionário graduado de uma repartição pública. Sua aposentadoria é igual a seu último salário na ativa, em torno de R$ 30 mil. Perguntei em que ele estava trabalhando atualmente. “Trabalhando? Não faço nada e nunca mais vou trabalhar!”, foi a resposta.

Falei-lhe para fazer o seguinte raciocínio: “Você trabalhou 33 anos, aposentou-se aos 53 e, se viver 86 anos, viverá 33 anos recebendo do povo brasileiro – a maioria pobre – R$ 30 mil por mês, sem trabalhar... e, se você morrer antes da esposa, ela continuará recebendo em forma de pensão. Todo dia, olhe para seu café da manhã, seu almoço e seu jantar, pense que ali há uns 50 itens de produtos diretos, sem falar nos indiretos (água, gás, luz, telefone etc.), os quais você consumirá por 33 anos sem dar uma única contribuição mais à sociedade para que esses produtos ou quaisquer outros bens e serviços sejam produzidos. Você não se sente mal com isso?” Ele respondeu: “Não! Não me sinto mal”.

Sugeri a ele para pensar no trabalho como um dever moral, independentemente de dinheiro. Falei que, no mínimo, ele poderia fazer um trabalho social, sem remuneração, em tempo parcial, ser útil à sociedade, e isso não o atrapalharia no projeto de continuar gozando os benefícios da boa aposentadoria paga pelo Tesouro Nacional – ou seja, por todos nós. Lembrei-lhe que, no setor privado, o valor máximo de aposentadoria de um profissional que ganhe R$ 30 mil por mês é o teto do INSS, hoje em R$ 5.839,45, mesmo após o empregado contribuir com 11% sobre esse teto e o patrão pagar ao INSS 20% sobre o salário bruto de R$ 30 mil.

Trabalho é toda ocupação útil, remunerada ou não. Uma mãe que cuida de um filho tem uma ocupação útil; logo, trabalha. Seguir trabalhando é um dever moral de todo cidadão saudável, como forma de contribuir para a criação da riqueza (no sentido de bens e serviços) da qual ele destrói (consome) um pedacinho. Esse dever moral tem ligação com outro sentimento que nos faz humanos: o amor ao próximo, do qual decorre o desejo de contribuir para o bem-estar de todos.

Em uma sociedade onde há tantos miseráveis, desvalidos e famintos sem perspectiva e sem futuro, o trabalho, remunerado ou não, é uma forma de amor ao próximo. O ato de consumir é um ato de destruir. O homem que não trabalha destrói o que os outros produzem. Quem não tem nenhuma ocupação útil não contribui para a construção dos bens e serviços que a sociedade produz, nem para o bem-estar social. Nessa linha, o trabalho, para quem tem saúde, é um dever moral e um ato de amor ao próximo.

Após meus argumentos, o amigo disse: “Não preciso de dinheiro”, ao que respondi: “Se o dinheiro não tem a menor importância para você, pois sua aposentadoria lhe garante bom padrão de vida, trabalhe para doar, ajudar a quem precisa, por caridade, mas não passe 33 anos em ociosidade”. Aliás, o estudo e o trabalho fazem bem ao bolso, ao corpo, à mente e à necessidade humana de amar e ser amado.

Alguém poderia perguntar por que razão devemos ter amor ao próximo ou o dever moral de ajudar a produzir o que nós mesmos vamos consumir. Minha resposta: porque somos humanos, e nos elevamos acima dos animais quando praticamos virtudes morais. Jesus Cristo teve e tem tanta influência sobre a humanidade porque toda sua obra foi baseada em apenas duas palavras: amor e perdão. Tudo o que ele fez e pregou deriva dessas duas palavras.

A definição de caridade, segundo Jesus, é: benevolência para com todos (vontade de fazer o bem), indulgência para com as imperfeições alheias e perdão das ofensas. Devemos praticar a caridade no mínimo porque precisamos da caridade dos outros, queremos ser aceitos mesmo com nossas imperfeições e desejamos o perdão diante de nossos erros e ofensas. Se queremos tudo isso, devemos dar reciprocidade.

Para alguns filósofos, entre eles André Comte-Sponville, a ética exige do ser humano amor à verdade, amor à liberdade e amor à humanidade, como base de toda sua conduta. O respeito a essas três vertentes do amor cobre todos os atos da vida. Não se trata de crer ou não em Deus. Trata-se de ser virtuoso aqui na Terra, nesta vida, não importando o que houver depois.

 

*José Pio Martins, economista, é reitor da Universidade Positivo.

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